Bahia é o segundo estado mais violento do Brasil. É o que indica o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023. Conforme o levantamento, a taxa de mortes violentas intencionais no estado é de 47,1 por 100 mil habitantes, enquanto a média nacional é de 23,3 por 100 mil.

De acordo com informações oficiais publicadas pelo Governo da Bahia (Lei de Acesso à Informação), em média quatro pessoas foram mortas diariamente no primeiro semestre de 2023 durante as intervenções do Estado em operações policiais.
Entre janeiro de 2021 e junho deste ano, foram 3.560 mortos nessas ações - a maioria deles eram homens negros jovens. Do total de óbitos, 753 ocorreram só nos seis primeiros meses de 2023 – 213 em Salvador. A escalada da letalidade policial coincide com o avanço de grupos criminosos no estado e a institucionalização de uma política de segurança pública pautada no confronto, muitas vezes sem planejamento.
É o que explica Renato Dirk, cientista social e coordenador do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense. "A lógica de enfrentamento, sem muito ou nenhum planejamento, pode derivar para muito mais mortes causadas pela polícia se comparado com ações mais planejadas, pontuais e direcionadas", diz.
Hoje, só são consideradas mortes decorrentes de "intervenções de agentes do Estado" aquelas seguidas de uso de força (ou seja, confronto) da vítima, o que subnotifica os dados. "Se não há resistência, é classificado como homicídio", ressalta Dirk.
Ainda assim, a polícia baiana virou a mais letal do Brasil, afirma o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O número de mortes em operações quadruplicou desde 2015, quando o atual ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), assumiu o governo da Bahia.
O ex-gestor questiona os dados da organização, mas eles convergem com as estatísticas oficiais, nas quais policiais também são vítimas. Em dois anos, 41 PMs foram mortos, segundo a Polícia Militar. As corporações, afirma a PM, atuam preventivamente, por acionamento, em parceria com a Polícia Civil (PC) ou sob a coordenação da Secretaria de Segurança Pública (SSP).
A letalidade das operações ainda pode ser associada a outros fatores, explica Pablo Nunes, coordenador da Rede de Observatórios da Segurança: a “falta de controle externo da atividade policial” – responsabilidade do Ministério Público –, “a formação dos policiais, a impunidade dos excessos, a descrença na Justiça e a criação da ideologia do policial herói”. O MP, SSP e a PC não responderam à reportagem.

A faixa etária mais vitimada durante intervenções policiais é a de 21 anos no estado onde a expectativa de vida é de 74 anos e está a maior concentração de centenários do Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. 251 homens de 21 anos morreram na Bahia de janeiro de 2021 a junho deste ano. 615 pessoas nem tinham completado 20 anos quando morreram nessas operações: 58 tinham idades entre 13 e 15 anos. Como as estatísticas só consideram os casos em que houve resistência, não constam nos números as mortes de crianças. Em julho deste ano, Gabriel, 10, morreu enquanto brincava na frente de casa, vítima de uma bala perdida, em Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador. A família acusa a PM pela morte dele.]

Mortes de policiais. Crédito: Dados da SSP, em gráfico de Quintino Andrade, do CORREIO
Desde 2021, 41 PMs foram mortos. Um deles era o subtenente Alberto Santos, 51. A mãe dele, Maria do Carmo, já havia enterrado um filho PM. Em setembro do ano passado, ela se despediu de Alberto, morto durante uma operação policial no sul da Bahia. A SSP, na época, informou que houve tiroteio com criminosos e dois policiais, de folga, foram atingidos. O PM sobrevivente contesta essa versão. Cinco PMs envolvidos foram afastados do serviço pela Justiça. A morte mais recente de um agente foi a do policial federal Lucas Caribé, em setembro, durante operação em Valéria.

Homens são 99% dos mortos em intervenções do Estado
Homens são a maioria dos mortos em intervenções de agentes do Estado. Crédito: Dados da SSP, em gráfico de Quintino Andrade, do CORREIO
Os homens negros são 83% dos mortos em intervenções policiais na Bahia. "Esse perfil se repete em outras cidades. São jovens, negros, moradores de favelas. Creio que essas estatísticas devem representar apenas a divisão do engajamento no tráfico de drogas, que são majoritariamente homens e jovens", explica Renato Dirk. Das pessoas mortas, 10 (0,2% do total de 3.560) eram mulheres. Uma era Catimile Bonfim, que chegava a uma igreja evangélica no bairro de Brotas, com o filho de cinco anos, quando foi atingida por sete disparos. Era setembro de 2022. À época, a Polícia Militar informou que policiais foram atacados a tiros por criminosos na região do Brongo e revidaram. Ao fim dos disparos, a equipe encontrou Catimile e o filho – ela já estava morta.

6h: o horário com maior concentração de mortes em intervenções
Horários das operações. Crédito: Dados da SSP, em gráfico de Quintino Andrade, do CORREIO
As mortes em operações policiais na Bahia estão concentradas entre o meio-dia e o fim da noite - até 23h59. Foram 2.011 mortes nesse intervalo - a maioria delas (197) registradas às 17h. Mas o horário com mais mortes registradas em intervenções do Estado foi às 6h: 231 pessoas morreram neste horário - ou próximo dele. Sobre o horário das operações, a PM respondeu que elas acontecem por demanda, patrulhamento ou depois de investigação. "Chamam atenção os horários, mas talvez seja muito mais questão da hora dos registros. A gente, quando analisa dados, espera que sejam espelhos da realidade, mas muitas vezes essas produções acabam seguindo os caminhos mais fáceis de registro", explica Pablo Nunes, da Rede de Observatório da Segurança.
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